quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Pessoas-água



Há pouco tempo atrás, conversei com dois amigos que fazem mestrado em química e estagiam em um laboratório. Eles estavam criticando a postura de uma colega dissimulada e compararam a hipócrita moça com a água. Segundo eles, a água não se opõe a coisa alguma; ela apenas se molda ao recipiente em que está inserida. Tanto a colega deles quanto a água são capazes de se moldar a qualquer recipiente, a qualquer coisa. Pode parecer que isso é uma qualidade, a da flexibilidade. Mas, neste caso, não é de flexibilidade que estamos falando, e sim da ausência de princípios em algumas pessoas que se moldam conforme lhes é conveniente.
Essa comparação interessantíssima de pessoas com a água cai como uma luva para algumas que conheço. Vou chamá-las de pessoas-água. São o tipo de pessoas que não tomam partido de nada nem de ninguém para agradar a gregos e troianos sempre. Não tomar partido é uma zona de conforto e uma estratégia que foram adquirindo no decorrer de suas vidas e de que nunca vão se livrar. Afinal, elas sabem que podem pagar um alto preço caso expressem suas reais opiniões; isso inclui serem excluídas de um grupo social a qual pertençam. Assim como esses meus amigos compararam pessoas que não tomam partido de nada com a água, recentemente vi uma participante de reality show comparando outra sister com vaselina, pois está sempre escorrendo, escorregando, para não manifestar suas verdadeiras opiniões. Como diz a Teoria do Espiral do Silêncio, desenvolvida pela pesquisadora alemã Elisabeth Noelle Neumann, o indivíduo tende a manter-se em silêncio quando tem um opinião diferente da dos demais, com medo do isolamento social como punição.
Sim, eu sei que se manter em cima do muro é confortável, evita a fadiga e nos poupa de vários aborrecimentos. Mas penso que para ser um amigo verdadeiro e honesto, às vezes é necessário tomar partido de quem você gosta. Tão líquidos quanto as pessoas-água são as relações que elas estabelecem com as demais. Não são relações cujos laços são concretos de amizade verdadeira, são relações superficiais e os laços são líquidos e feitos de álcool. As pessoas-água cultivam relações fúteis baseadas em festas e coisas supérfluas. Elas desaparecem quando chega a hora de ajudar um amigo que está passando por dificuldades, pois quando acaba a festa não existe uma verdadeira amizade. “Me procure apenas para me convidar para tomar uma cerveja, não para pedir conselhos nem um ombro amigo, ok?”, é assim que as pessoas-água pensam.
Porém, um dia irão se deparar com a solidão, pois por terem estabelecidos relações supérfluas e se importado mais com números e quantidade do que com a qualidade dos “amigos” escolhidos, perceberão que estes somem quando a festa acaba.
Quando as pessoas-água estão com você, dão risadinhas convenientes e fazem determinados discursos. Quando estão com chefes, colegas de trabalho e outras pessoas em geral, dão as mesmas risadas convenientes e apresentam os mesmos discursos – semelhante à forma como agem alguns artistas internacionais fabricados em suas turnês mundiais: eles proclamam exatamente o mesmo discurso ensaiado de agradecimentos e afins em todos os países pelos quais passam.
Essa obsessão em querer agradar a todos se estende também ao campo afetivo. Quando estão solteiras se vestem de uma determinada maneira, frequentam um determinado tipo de lugar e escutam um estilo de música específico. Quando começam a namorar, anulam sua própria personalidade e passam a se vestir de uma maneira totalmente diferente do que quando estão solteiras, procurando agradar ao máximo ao (à) parceiro (a). Passam a frequentar lugares e ouvir determinados tipos de música de que nunca gostaram (e que ainda continuam não gostando) apenas para agradar aos (às) atuais namorados (as). E então vemos meninas que a vida inteira se vestiram como patricinhas se transformarem, da noite para o dia, em roqueiras, gaudérias ou qualquer estilo que agrade ao namorado. Sabe aquela menina acéfala que você conhece e que passou a vida inteira escutando lixos musicais? Pois é, atualmente, ela publica em redes sociais que ama rock n’ roll e posta vídeos de clássicos do rock. Diz que ama Led Zeppelin e só conhece “Stairway To Heaven” e olhe lá. Tudo isso por quê? Porque anulou sua própria personalidade para agradar a um namoradinho roqueiro que provavelmente pouco se importa com ela.
E quanto à frase: “O mundo é dos espertos”, discordo. Essa esperteza, na visão de algumas pessoas, é sinônimo de dissimulação, falta de ética e desonestidade. Pessoas honestas não devem se desencorajar com essa frase e achar que só quem é mau caráter se dá bem. Os dissimulados vencem só até certo ponto, mas chega uma hora em que caem do cavalo, como diz o ditado popular. Do que adianta conquistar coisas não sendo verdadeiro e construindo relações baseadas na hipocrisia? É tão bom o gosto de conquistar uma promoção no trabalho sem precisar puxar o saco de chefes e sim pelo seu próprio esforço e talento. Tão gratificante conquistar o carinho das pessoas sem precisar fingir. Tão compensador conquistar coisas sendo quem você é.
Como diz um trecho da música "Não sei", da divertida banda de rock gaúcha TNT, “cansei dessa gente, desse papo furado”. Na idade adulta, temos no mínimo o direito de escolher nossas companhias. Pode parecer conselho barato de livro de auto-ajuda, mas cerque-se apenas de pessoas que te fazem e te desejam o bem. Por isso, se afaste de pessoas-água. Elas são insípidas, inodoras, incolores e em nada te acrescentam. Mas misturadas com o veneno, elas ficam iguais a ele.

6 comentários:

Anônimo disse...

Perfeito Fê!

Fechevarria disse...

Obrigado anônimo! :D

Literoscópio disse...

O que dizer, realmente nunca tinha ouvido nem pensando no termo "pessoas-água" para definir esse tipo de gente!

E ficar em cima do muro as vezes é aceitável e necessário ... mas sempre não dá e certamente essa pessoa "cairá do cavalo" um dia como tu disse!

Texto excelente, interessante e até divertido!

Karoline disse...

Texto excelente!
E estou aqui graças a Monica (moniitorando.blogspot.com.br), adorei seu blog!


http://paodequeijocomchocolate.blogspot.com.br

Fechevarria disse...

obrigado, meninas! sim, ficar em cima do muro as vezes é necessário, estaria mentindo se dissesse que sempre exponho minhas opiniões, mas ficar o tempo todo em cima do muro pra agradar a todos é no mínimo irritante!

Fechevarria disse...

Como vocês descobriram?