terça-feira, 21 de julho de 2015

Além do banheiro

O mundo dela é o mundo que eles compram. Os amigos, os lugares que frequenta, tudo lhe foi comprado. Nenhum amigo de infância pra contar história. Somente os amigos que lhe foram comprados, que são mais amigos deles do que dela. Pseudo amizades que terminam quando o jantar elegante acaba e iniciam novamente quando o próximo evento social começa. Fake plastic trees, fake plastic friends. Seu mundo é o que eles ditam, comandam. Ela só vai até o banheiro porque é só até ali que lhe permitem ir. Porque não lhe permitem sair do campo de visão deles. Por isso ela briga tanto pelo banheiro. Ali é seu reino. Ninguém pode entrar. Sua maior ambição é o chuveiro e o espelho é sua ostentação. É ali que tem o secador que a mantém dele dependente e a maquiagem, que a mantém bela e ao mesmo tempo esconde sua verdadeira idade, talvez esconda também suas tristezas e frustrações.
Já o meu mundo é bem mais amplo. Tem pessoas de todas as cores, orientações e nacionalidades. Todos são acolhidos por mim, que tenho uma visão generosa e quase despida de preconceitos. Tá, sei que isso soa muito Madre Teresa de Calcutá, tipo "olhem como ele é bom samaritano", mas é verdade. Meu mundo vai além de banheiros. Meu mundo é diferente do dela. Gosto de gente simples, que se mostra como realmente é. Gente em que é possível notar as cicatrizes por terem saído de suas zonas de conforto. É essa gente de todas as cores, orientações e nacionalidades, que transcendem qualquer rótulo, que contribuem para o que sou. Gente como nós não tem berço - oxalá tenhamos uma cama pra dormir - pra elite somos apenas "gentinha", mas somos mais livres, nos mostramos como somos e, sim, me atrevo a dizer que somos até mais felizes.
Talvez no fundo eles não sejam más pessoas. Eu é que sou diferente deles. Talvez um dia até se engasguem com seus discursos moralistas, caquéticos e elitistas e seus pensamentos medievais. Por isso é melhor partir, pois meu mundo vai além de banheiros e meu pensamento não parou na idade média.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

Shame


"Secretamente, deve sentir muita vergonha de si mesmo. É mesmo muito importante mostrar ao mundo uma cara atrevida, mas suponho que, de vez em quando, estando sozinho e ninguém a observá-lo, você deve retirar a máscara para respirar. Do contrário, já teria morrido sufocado."
(Oscar Wilde, trecho do livro De Profundis)

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Pessoas-água



Há pouco tempo atrás, conversei com dois amigos que fazem mestrado em química e estagiam em um laboratório. Eles estavam criticando a postura de uma colega dissimulada e compararam a hipócrita moça com a água. Segundo eles, a água não se opõe a coisa alguma; ela apenas se molda ao recipiente em que está inserida. Tanto a colega deles quanto a água são capazes de se moldar a qualquer recipiente, a qualquer coisa. Pode parecer que isso é uma qualidade, a da flexibilidade. Mas, neste caso, não é de flexibilidade que estamos falando, e sim da ausência de princípios em algumas pessoas que se moldam conforme lhes é conveniente.
Essa comparação interessantíssima de pessoas com a água cai como uma luva para algumas que conheço. Vou chamá-las de pessoas-água. São o tipo de pessoas que não tomam partido de nada nem de ninguém para agradar a gregos e troianos sempre. Não tomar partido é uma zona de conforto e uma estratégia que foram adquirindo no decorrer de suas vidas e de que nunca vão se livrar. Afinal, elas sabem que podem pagar um alto preço caso expressem suas reais opiniões; isso inclui serem excluídas de um grupo social a qual pertençam. Assim como esses meus amigos compararam pessoas que não tomam partido de nada com a água, recentemente vi uma participante de reality show comparando outra sister com vaselina, pois está sempre escorrendo, escorregando, para não manifestar suas verdadeiras opiniões. Como diz a Teoria do Espiral do Silêncio, desenvolvida pela pesquisadora alemã Elisabeth Noelle Neumann, o indivíduo tende a manter-se em silêncio quando tem um opinião diferente da dos demais, com medo do isolamento social como punição.
Sim, eu sei que se manter em cima do muro é confortável, evita a fadiga e nos poupa de vários aborrecimentos. Mas penso que para ser um amigo verdadeiro e honesto, às vezes é necessário tomar partido de quem você gosta. Tão líquidos quanto as pessoas-água são as relações que elas estabelecem com as demais. Não são relações cujos laços são concretos de amizade verdadeira, são relações superficiais e os laços são líquidos e feitos de álcool. As pessoas-água cultivam relações fúteis baseadas em festas e coisas supérfluas. Elas desaparecem quando chega a hora de ajudar um amigo que está passando por dificuldades, pois quando acaba a festa não existe uma verdadeira amizade. “Me procure apenas para me convidar para tomar uma cerveja, não para pedir conselhos nem um ombro amigo, ok?”, é assim que as pessoas-água pensam.
Porém, um dia irão se deparar com a solidão, pois por terem estabelecidos relações supérfluas e se importado mais com números e quantidade do que com a qualidade dos “amigos” escolhidos, perceberão que estes somem quando a festa acaba.
Quando as pessoas-água estão com você, dão risadinhas convenientes e fazem determinados discursos. Quando estão com chefes, colegas de trabalho e outras pessoas em geral, dão as mesmas risadas convenientes e apresentam os mesmos discursos – semelhante à forma como agem alguns artistas internacionais fabricados em suas turnês mundiais: eles proclamam exatamente o mesmo discurso ensaiado de agradecimentos e afins em todos os países pelos quais passam.
Essa obsessão em querer agradar a todos se estende também ao campo afetivo. Quando estão solteiras se vestem de uma determinada maneira, frequentam um determinado tipo de lugar e escutam um estilo de música específico. Quando começam a namorar, anulam sua própria personalidade e passam a se vestir de uma maneira totalmente diferente do que quando estão solteiras, procurando agradar ao máximo ao (à) parceiro (a). Passam a frequentar lugares e ouvir determinados tipos de música de que nunca gostaram (e que ainda continuam não gostando) apenas para agradar aos (às) atuais namorados (as). E então vemos meninas que a vida inteira se vestiram como patricinhas se transformarem, da noite para o dia, em roqueiras, gaudérias ou qualquer estilo que agrade ao namorado. Sabe aquela menina acéfala que você conhece e que passou a vida inteira escutando lixos musicais? Pois é, atualmente, ela publica em redes sociais que ama rock n’ roll e posta vídeos de clássicos do rock. Diz que ama Led Zeppelin e só conhece “Stairway To Heaven” e olhe lá. Tudo isso por quê? Porque anulou sua própria personalidade para agradar a um namoradinho roqueiro que provavelmente pouco se importa com ela.
E quanto à frase: “O mundo é dos espertos”, discordo. Essa esperteza, na visão de algumas pessoas, é sinônimo de dissimulação, falta de ética e desonestidade. Pessoas honestas não devem se desencorajar com essa frase e achar que só quem é mau caráter se dá bem. Os dissimulados vencem só até certo ponto, mas chega uma hora em que caem do cavalo, como diz o ditado popular. Do que adianta conquistar coisas não sendo verdadeiro e construindo relações baseadas na hipocrisia? É tão bom o gosto de conquistar uma promoção no trabalho sem precisar puxar o saco de chefes e sim pelo seu próprio esforço e talento. Tão gratificante conquistar o carinho das pessoas sem precisar fingir. Tão compensador conquistar coisas sendo quem você é.
Como diz um trecho da música "Não sei", da divertida banda de rock gaúcha TNT, “cansei dessa gente, desse papo furado”. Na idade adulta, temos no mínimo o direito de escolher nossas companhias. Pode parecer conselho barato de livro de auto-ajuda, mas cerque-se apenas de pessoas que te fazem e te desejam o bem. Por isso, se afaste de pessoas-água. Elas são insípidas, inodoras, incolores e em nada te acrescentam. Mas misturadas com o veneno, elas ficam iguais a ele.

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Sexo frágil o caramba!

Ao ler o artigo "Terror que usa saia: Especial  Dia das Mulheres", no site www.bocadoinferno.com (extremamente recomendado para os fãs do gênero terror), lembrei de algumas personagens femininas em filmes de terror que me marcaram. Sexo frágil? Que nada! As mulheres, nos filmes de terror, matam, torturam, saem no tapa com assassinos e são capazes de qualquer coisa na luta pela sobrevivência.
Nota-se que a partir da década de 80, se instalou na maior parte dos filmes de terror produzidos naquela época uma espécie de mensagem feminista, pois as mulheres, sejam elas mocinhas ou vilãs, de frágeis não tinham nada e geralmente eram as únicas sobreviventes de chacinas promovidas por psicopatas mascarados, depois de terem lutado bravamente contra o assassino. Basta olharmos as franquias Sexta Feira 13 ou Halloween para comprovarmos isto.
Algumas vilãs deixam qualquer assassino do sexo masculino no chinelo. Vingativas, ousadas e agressivas, elas são capazes dos piores crimes regados a muita crueldade e sadismo. Abaixo, uma breve descrição de apenas algumas das várias memoráveis vilãs de filmes de terror e suspense.


Regan MacNeil (O Exorcista): A endemoniada Regan amedrontou gerações com seu antológico giro de cabeça completo. Possuída por algumas entidades do mal, a garota sofria convulsões, falava palavrões e avançava ferozmente contra os padres que tentavam exorcizá-la, para o desespero de sua mãe.


Pamela Voorhees (Sexta Feira 13): A eterna mãe do vilão Jason Voorhees tinha sede de vingança em decorrência da morte do filho, que afogou-se enquanto os monitores do acampamento, que deveriam estar cuidando das crianças, estavam mantendo relações sexuais. Pamela os matou impiedosamente, e anos depois, quando alguns jovens instalaram-se no acampamento, dona Pamela deu sequência à matança, motivada pela morte do filho Jason, até ser decapitada no final.


Alex Forrest (Atração Fatal): Glenn Close interpreta, nesse clássico filme que sempre quero rever, uma executiva que se envolve com Dan Gallagher, interpretado por Michael Douglas. O pobre homem nem imaginava o inferno que sua vida se tornaria. Alex não aceita que o envolvimento tem um curto prazo de validade, afinal Dan é casado, e a partir daí começa a demonstrar o quão perigosa pode ser. Desequilibrada, emocionalmente instável, obsessiva e ardilosa, Alex torna a vida de Dan um inferno.


Peyton Flanders (A Mão que Balança o Berço): Peyton vai trabalhar como babá na casa de uma família e inferniza a todos com uma série de intrigas e crueldades. Quando o jardineiro descobre uma de suas maldades, Peyton dá uma prensa nele literalmente e o ameaça dizendo que terá uma versão bem melhor que a dele caso o pobre o homem a denuncie. Após a ameaça, a babá dá uma bofetada no rosto do jardineiro e o chama de retardado, em uma cena que chega a ser engraçada de tão cruel. O olhar fuzilante e ameaçador que ela lança ao empregado é impagável.


Esther (A Órfã): A pequena garota órfã conquista uma família por se destacar entre as crianças do orfanato. Não demora muito para que Esther mostre sua verdadeira face maléfica. Dentre várias maldades, a que mais merece destaque é a cena em que a órfã ameaça seu irmão adotivo com um estilete dizendo: "Se você contar o que viu, vou cortar o seu pinto fora antes que descubra para o que ele serve".

Já as vítimas, muitas vezes, surpreendem o público mostrando que não são apenas donzelas indefesas e que sabem se defender, lutando ferozmente para se manterem vivas. Em alguns filmes, chegam até a passar de vítimas a assassinas, para vingarem-se de seus algozes. Abaixo, duas mocinhas corajosas que se defenderam bravamente.

Chris (Sexta-Feira 13 Parte III): Ao contrário do que li em um blog, o qual dizia que a sobrevivente de Sexta-Feira 13 Parte III não tinha carisma e não soube lutar ferozmente, eu considero Chris a mais corajosa heroína da franquia. Encurralada dentro de um quarto, a moça teve de retirar uma faca cravada em um cadáver para se defender de Jason. Após esfaquear a mão do assassino e conseguir escapar, Chris ainda tem a coragem de esperar Jason do lado de fora da casa e quando esse sai para fora, ela o ataca com uma enorme pedra golpeando-lhe a cabeça. O duelo assassino X vítima terminou no celeiro, onde a valente garota acertou um golpe de machado em Jason, além de enforcá-lo.

Jennifer (Doce Vingança): O filme, que é um remake de "A Vingança de Jennifer", clássico do década de 70, traz uma Jennifer bem mais cruel e implacável que a original. Jennifer, neste remake, é estuprada por um grupo de homens. Quando pensam que está morta, a garota inicia uma feroz vingança, eliminando impiedosamente um a um dos covardes estupradores.



sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Realmente vi que havia algo de errado com Esther quando...

Confesso que não gosto muito de filmes de terror ou suspense cujo assassino é uma criança, mas após ler críticas favoráveis sobre “A Órfã” no site http://www.bocadoinferno.com.br/, as quais diziam que o filme tem um final surpreendente (e eu realmente gosto de finais inesperados), resolvi locar “A Órfã” ontem. E recomendo.
A atmosfera tensa e algumas cenas do longa muitas vezes lembram filmes como “O Bebê de Rosemary”, “A Profecia” e até mesmo “O Anjo Malvado”. A atriz mirim Isabelle Furhman consegue convencer na pele da perversa e misteriosa Esther (apesar de que torci para que Esther desse uns bons tabefes na coleguinha de classe que a perturbava). Vera Farmiga, atriz que interpreta Kate, a mãe adotiva de Esther, também realizou uma atuação convincente, que faz com que o telespectador tenha compaixão e torça por ela, já que é a primeira a notar que há algo de errado com Esther e tenta alertar a todos à sua volta, mas sem sucesso é tachada de louca, inclusive pelo próprio marido.
Aliás, "Há algo de errado em Esther" é o slogan do filme e desde o começo tentei imaginar qual seria o segredo da diabólica órfã. Primeiramente pensei em algo óbvio, ou seja, que o filme copiaria a fórmula de "A Profecia" e que Esther seria uma criança discípula do capeta ou membra de uma seita satânica, já que estranhamente usava aquela coleira e se tornava agressiva cada vez que alguém tentava tirá-la. Depois passei a achar que era um plano do marido de Jane para deixá-la louca e que Esther era sua cúmplice. Se as minhas hipóteses estão certas ou erradas, prefiro não revelar caso alguém leia este texto e ainda não tenha visto o filme. Realmente vi que havia algo de errado com Esther quando esta quebra o próprio braço. 
"A Órfã" não entrou na minha lista de filmes de suspense favoritos, mas certamente não é um filme ruim, ao contrário, tem uma ótima direção, cenas cheias de tensão e suspense e um desfecho inesperado, então posso dizer que recomendo.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Os 15 anos do Remedinho Amargo


O remedinho amargo que marcou a vida de muita gente, inclusive a minha, completou 15 anos no dia 13 de junho de 2010. Fato que quase passou despercebido por mim, se não tivesse descoberto quarta ou quinta da semana passada através da internet. O remedinho amargo a que me refiro é Jagged Little Pill, o terceiro álbum de Alanis Morissette e o primeiro a ser lançado mundialmente.

Em 1997, eu tinha 12 anos e ouvia falar muito em Alanis Morissette, mas era alienado musicalmente e ainda não era adepto da MTV, então não sabia quem era essa figura tão falada. No verão de 1998, ouvi pela primeira vez o álbum Jagged Little Pill, mas as únicas músicas que me chamaram atenção foram You Learn e Ironic. Gostei muita dessas duas músicas e não liguei para o resto do álbum. Logo liguei a música à imagem e descobri quem era a tal Alanis através de vídeo-clipes. Esperava que fosse mais bonita. Em 1999, escutei o Supposed Former Infatuation Junkie, sucessor do Jagged Little Pill, e gostei de quase todas as músicas. A partir deste ano, comecei a me interessar cada vez mais por Alanis e a gravar seus clipes e shows em fitas de vídeo-cassete. Mais para o fim deste mesmo ano, comecei a descobrir mais músicas do Jagged Little Pill, álbum que eu havia subestimado no ano anterior. Em 2000, Alanis Morissette definitivamente já fazia parte da minha lista de artistas favoritos e a admiração se tornou ainda maior depois que assisti um programa sobre sua vida exibido no Multishow. Sua voz me encantava, assim como também a achei simpática e inteligente. Foi impossível ficar imune a Alanis cada vez que descobria a tradução de alguma de suas músicas. A raiva e a indignação após ter sido traída em You Oughta Know e a bela Unsent - a qual alanis compôs usando trechos de cartas que ela nunca enviou para os caras com quem já se relacionou - me fascinaram. Eu nunca tinha visto em minha vida alguém cantar sobre coisas tão íntimas e de certa forma expor tanto a sua vida pessoal em letras de música.

Então decidi que ia comprar o remedinho amargo. Economizei moeda por moeda e comprei-o em um sábado em meados de dezembro de 2000. Lembro-me que comprei de manhã, em um dia que iria posar sozinho em casa. Esperei até a noite para ouvi-lo. E quando ouvi, entrei em transe. Cada música do álbum, com exceção de Mary Jane (hoje em dia gosto desta canção, inclusive acho que de todas da Alanis esta é a em que a voz dela está mais bonita) e Wake Up, me provocavam arrepios. As melodias, os arranjos e os vocais me agradavam enlouquecidamente. Me identifiquei com Perfect, na qual Alanis fala das pressões e exigências que sofremos por parte da família, que está sempre querendo que sejamos os melhores em tudo e nos comparando com outras pessoas. Aquele grito agoniado que ela dá no trecho "why are you crying..." é de arrepiar. A interpretação vocal de Your House é comovente (por mais piegas que essa palavra soe, não há outra para descrever). A indignação raivosa e eloquente de You Oughta Know também foi incrivelmente marcante. Alguns a consideram como o "hino dos amantes rejeitados", afinal quem nunca se sentiu como Alanis nessa música após levar um par de chifres ou um belo pé na bunda? Aliás, toda essa raiva expressada em You Oughta Know fez com que muita gente pensasse que Alanis era lésbica, pois algumas revistas estampavam Alanis na capa e colocavam chamadas como: "Alanis: a mulher que odeia os homens", assim como também diziam que Alanis havia feito um álbum inteiro de ódio aos homens. Totalmente errado. Alanis nunca disse que odiava homens e muito menos fez um álbum inteiro falando que tem aversão ao sexo masculino. Ela apenas fez uma música para expressar sua raiva após ter sido rejeitada. E nem todas as letras de Jagged são raivosas. Algumas são reflexivas, como You Learn e Ironic e há também a balada Head Over Feet, que fala daquele estado patético de encantamento que as pessoas ficam quando estão apaixonadas e quando tudo é novo. Lembro-me que aquele solo de gaita nesta música foi durante anos altamente viciante para mim.

Assim é Jagged Little Pill: um álbum simples e visceral ao mesmo tempo. Vocais na maior parte do tempo gritados e raivosos, mas as vezes suaves também. Os arranjos são simples, vão do pop rock ao rock alternativo, com pitadas deliciosas de grunge. As letras são confessionais e falam sobre os relacionamentos frustrados de Alanis e sua maneira de ver a vida. Hoje em dia quando escuto Jagged, o impacto musical e emocional já não é mais o mesmo. Acho que a produção poderia ser um pouco menos simplória e ter arranjos mais caprichados e iguais aos que os shows de Alanis tinham ao vivo na época do álbum. You Learn na versão de estúdio tem um simplório arranjo pop rock, mas ao vivo ganhava guitarras pesadas e um belo solo de guitarra virtuoso no meio da música. Mas segundo a própria Alanis e o produtor do álbum, Glen Ballard, ser simples era exatamente a intenção do Jagged: as canções eram compostas em menos de 30 minutos e logo em seguida gravadas. 80% do álbum são as demos originais e nenhuma canção era aprimorada, para que soasse crua e visceral. Sem dúvida, um ótimo álbum dos anos 90 e curiosamente outros três de meus álbuns preferidos também são de 1995: (Wha'ts The History) Morning Glory, do Oasis, The Bends, do Radiohead e Mellon Collie and The Infinite Sadness do Smashing Pumpkins.

Ao contrário do que muita gente pensa, Jagged não é o primeiro álbum de Alanis. É o terceiro, porém o primeiro a ser lançado mundialmente. No Canadá, seu país natal, ela já havia lançado dois álbuns: Alanis (1991) e Now Is The Time (1993). Todos dance-music da pior qualidade. Muitos produtores torceram o nariz para o remedinho amargo, até que a Maverick, gravadora da material girl, contratou Alanis e Jagged se transformou num fenômeno de vendas, vendendo mais de 30 milhões de cópias no mundo inteiro. Alanis, depois de Jagged, lançou álbuns totalmente diferentes, decepcionando a muitos de seus fãs. As músicas de estúdio ficaram mais suaves e perderam o peso de antes e suas performances ao vivo já não tinham mais a mesma agressividade dos tempos de Jagged. Toda vez que Alanis lança um álbum os fãs ainda esperam um "Jagged Little Pill II" e se decepcionam quando o resultado é outro. Talvez a maioria prefira a Alanis raivosa à mulher madura e calma que ela se tornou.

Alanis serviu de referência para cantoras que vieram depois, principalmente para Avril Lavigne, cujo timbre de voz em muitas de suas músicas lembra o estilo de Alanis. Mas a própria Alanis, obviamente, também tem suas referências e inspirações. Alguns acham que Alanis copia ou que no mínimo sua voz lembra a de Dolores O'Riordam, do The Cranberries. Sabe aquele estilo de cantar que muitas cantoras tem, com mudanças de voz que vão do grave ao agudo, com ou sem falsetes, e aquela maneira de cantar gritada e raivosamente com um gemidinho no final de uma frase? Para mim, a precursora nesse estilo de cantar é Sinead O'Connor. Recomendo que escute Jackie, Jerusalem e Troy de Sinead O'Connor e notarão essa influência na maneira de cantar de Alanis e Dolores. Sinead, a carequinha nervosa e revoltada, também abriu portas para cantoras e compositoras que cantam visceralmente sobre seus sentimentos.

Por causa das letras confessionais de Alanis, comecei a me interessar por artistas compositores que seguem esse gênero. E então descobri Bob Dylan, que fez um álbum inteiro falando sobre sua separação, o excelente Blood On The Tracks (1973), a própria Sinead O'Connor, que canta sobre os abusos que sofria na infância e também fala sobre a dor da separação na melancólica canção The Last Day Of Our Acquaintance, Billy Corgan do Smashing Pumpkins e Morissey do The Smiths. Ah, e não poderia deixar de falar de uma cantora indie chamada Liz Phair, que infelizmente passou despercebida pelo grande público. Ela lançou seu primeiro álbum em 1993, chamado Exille On Guyville, e também fazia letras pessoais. A mais chocante delas é Flower, em que fala coisas do tipo: "toda vez que vejo seu rosto fico molhada entre minhas pernas, quero ser sua rainha do boquete e transar até seu pau ficar azul...". Perto dela, a letra de You Oughta Know é cantiga de ninar. Sem falar que por causa da Alanis comecei a me interessar por gaita de boca, e descobri artistas como Aerosmith, Bob Dylan e Neil Young.

Por tudo isso que já foi dito, é que Jagged Little Pill marcou minha vida. Como já falei, nunca tinha visto em minha vida alguém que se abrisse tanto em letras de músicas como Alanis. Um excelente álbum que jamais será esquecido. O mesmo impacto que o remedinho amargo teve em minha vida, Little Earthquakes, de Tori Amos, teve na vida de Alanis. Já estou baixando para conferir que impacto terá na minha.

domingo, 30 de maio de 2010

A falta de conhecimento sobre criação publicitária





























Presenciei ano passado uma conversa que revoltaria a qualquer profissional formado ou estudande de Publicidade e Propaganda. Disse um veterano do curso de Jornalismo a uma caloura do mesmo curso que queria migrar para Publicidade: "Para que cursar Publicidade? Basta fazer um curso de 6 meses de coreldraw ou photoshop que você já é publicitária". Infelizmente pensamentos como esse e a falta de conhecimento sobre a área ainda imperam. A publicidade possui várias áreas de atuação como marketing, planejamento de campanha, atendimento, produção em rádio, tv e cinema, mas talvez no segmento de criação de peças gráficas, justamente a área da Publicidade de que mais gosto e na qual trabalho, é que o desconhecimento e a desvalorização parecem ser maiores.
É lamentável, mas muitos pensam como aquele estudante de jornalismo. Acham que para ser publicitário, especialmente da área de criação, só é preciso saber operar programas como coreldraw e photoshop. Sim, realmente existem pessoas que nunca cursaram Publicidade e Propaganda e que entendem destes programas muitas vezes até mais do que publicitários formados. Porém entender destes softwares não torna ninguém publicitário. Fazer um curso de 6 meses de coreldraw e/ou photoshop pode até deixar alguém mestre nestes programas e fazer com que a pessoa conheça e domine todos os truques e efeitos, mas não é em cursos como esses que você aprenderá sobre psicodinâmica das cores e tipologia das fontes. Só um publicitário formado ou que ainda está cursando Publicidade sabe quais são as cores certas na hora de compor um anúncio. Não há dúvidas de que a cor exerce papel importante no psicológico de cada um. As cores são usadas para estimular, acalmar, afirmar, negar, decidir, curar e, no caso da propaganda, vender. É sabido que temos reações e sensações diferentes para cada cor. Por, exemplo o vermelho é uma cor que excita, aquece e desperta a fome, enquanto o azul-claro acalma e transmite refrescância. Sem dúvida tomar como base os estudos e as associações psicológicas do homem diante das cores é importante no momento da criação de um anúncio, uma embalagem ou qualquer que seja a peça publicitária. A linguagem da cor é um meio atrativo que atua sobre o subconsciente dos consumidores. E nestes cursinhos de programas de edição de imagens também não se aprende sobre quais as fontes adequadas para cada tipo de peça, sobre como diagramar e distribuir elementos dentro de uma criação para que esta se torne atrativa e agradável visualmente. Resultado: peças gráficas poluídas, de mau gosto, com cores e fontes inadequadas, produzidas por pessoas que pensam que entendem do assunto. O que algumas pessoas não entendem é que produzir seu próprio material publicitário, embora mais barato, não agrega todos os benefícios que esse material poderia trazer se fosse realizado por profissionais competentes.
E não é só conhecimento sobre significado das cores e tipologia das fontes que o publicitário deve ter. É preciso ter conhecimentos também sobre psicologia e principalmente sobre a língua portuguesa. Deve-se estudar o comportamento dos consumidores; sobre quais são as razões de fundo psicológico que os levam a comprar e como mexer com suas emoções. Para isso é preciso deixar de lado preconceitos e ideias fechadas, como por exemplo, aquelas ideias de que todos os homens são iguais e de que todas as mulheres são iguais. Um pensamento assim é fechado, retrógado e simplista demais. É óbvio que se analisarmos um grupo de mulheres notaremos várias coisas em comum, como gostos e experiências. Mas apesar das semelhanças, não podemos esperar que todas sejam iguais porque cada uma traz consigo uma bagagem cultural própria, conhecimentos e experiências distintas, de acordo com o ambiente que foram criadas. Também devemos levar em consideração outros fatores como religião, regionalismo e classe social. O mesmo se diz dos homens. Apesar das semelhanças, as pessoas jamais serão totalmente iguais justamente por causa destes fatores que foram citados, que moldam a personalidade de cada um, criando vários estilos de vida, tribos e valores diferentes. Há o público infantil, jovem, adulto, idoso, masculino, feminino, de classe baixa ou alta, enfim, há uma infinidade de grupos e tribos, fazendo com que a publicidade seja segmentada, cabendo ao publicitário conhecer o público ao qual se dirige. A maneira de se criar uma peça publicitária para uma ortodoxa dona de casa, esposa e mãe, submissa ao marido e aos filhos é totalmente diferente da maneira de se compor uma peça para uma mulher jovem, solteira, moderna e independente financeiramente.
Conhecer e dominar a língua portuguesa não é só dever de jornalista e de profissionais de Letras. Escrever uma redação publicitária requer conhecimento da língua e uma cuidadosa seleção lexical, afinal palavras são sedutoras, podem tanto atrair como afastar.
Espero ter contribuído de certa forma, com este texto, para acabar com os "achismos" que ainda predominam e que a publicidade, em especial a área de criação, não é uma tarefa arbitrária e que exige apenas o domínio de programas de edição de fotos, e sim uma arte, uma técnica que exige muito estudo, conhecimento sobre os significados das cores e as sensações psicológicas que elas despertam nos seres humanos, sobre signos e semiótica, língua portuguesa, sociologia, filosofia e psicologia, aliando sempre o conhecimento empírico ao conhecimento científico.